quarta-feira, 7 de novembro de 2012

UMA REFLEXÃO MUITO SURDA


Remoendo minhas memórias no meu HD externo de 1 terrabyte da Samsung, lembrei-me de um processo pelo qual passei em minha vida surda que desejo compartilhar com vocês, membros da lista, especialmente os que de certa forma se embrenham à força na comunidade surda.
Quando eu era criança e ouvia com meus ouvidos ouvintes, lembro-me vivamente que, como qualquer outra criança, interagia normalmente com meus colegas e como ouvinte, ouvia-os falar, gritar, brincar, peidar, arranhar as paredes, cantar, arrotar, tossir, espirrar e vomitar além de muitos outros sons que só lembro se vasculhar bastante meu mundo psíquico.
Lembro de muitas vozes em particular como se as tivesse ouvido ontem, apesar de já terem se passado mais de 30 anos. E lembro que essas vozes diziam muitas coisas, que havia uma espécie de socialização na sonoridade que me dizia quando eu era aceito e quando eu era rejeitado por um grupo, uma dupla, um indivíduo. Lembro inclusive quando tinha
cerca de 3 anos de idade e na fila para voltar à sala após o recreio, fui "dar em cima" de uma coleguinha da escola, dei-lhe um beijo ousado na bochecha (bom, não fui o único) e disse que ela era minha namorada.

Levei meu primeiro fora(devia entrar pro Guiness, recorde aos 3 anos) de uma garota e ouvi cobras e lagartos -- os palavrões que uma criança sabia dizer: "seu bobão". Entendi rapidamente que não era "querido" ali e não arrisquei outra tentativa(bom, não tenho certeza, não lembro mais).
Lembro de um coleguinha que brincava com bonequinhos do velho e bom "forte apache", delírio da garotada de minha época, que eram uns bonequinhos de faroeste. Tentei me sentar ao lado dele para brincar junto, disse a ele que tinha os mesmos bonequinhos em casa e a gente podia juntar tudo e brincar junto, mas o rapaz era muito enfezado, nem quis saber e mudou a voz, foi me enxotando dali. Era outro sinal que também não era querido por ali.
Meus amigos e coleguinhas sempre gritavam meu nome na hora do recreio, nas escadarias de meu prédio, na rua da casa de minha avó. Gritavam meu nome "Ei Marcos você tá aí? Vamos jogar! Vamos brincar! Estamos te esperando aqui fora". Lembro-me que era muito querido pelo desajeitado time de futebol da escola, sempre era eleito o zagueiro, o atacante, sempre era escolhido primeiro na divisão dos times. Ouvia alguém dizer: "Eu quero o Marcos", "Marcos no meu time", e coisas do gênero.
Na hora do recreio na escola, começava a brincadeira de pega-pega. Eu fazia as vezes de lobo mau, o cachorro doido, o ladrão malvado, o monstro, o bicho papão, e ia atrás da meninada que corria para o "pique" e se salvava(de vez em quando eu era mais rápido e pegava uns) Ia para o sítio e ouvia grilos, morcegos, sabiás, o trem de ferro, além dos tiros das espingardas de chumbinho caçando passarinhos. O povo da roça me chamava para ver - e ouvir - os tristes animais agonizando. Ouvia a voz imperativa e militar de meu avô me chamando na sala, querendo saber o que eu estava fazendo(quebrando) martelando na varanda; ouvia a voz doce de minha avó contando estórias da bíblia. E ao dormir no quarto de
meus pais(de vez em quando eu ficava carente), tentava identificar a marca e modelo dos carros ouvindo-os passar ao longe pela rua. Certa vez ouvi um ladrão entrando em casa e meu pai correu atrás dele com um enorme bastão, mas ficou com dó quando viu que era menor de idade e deixou ir embora. Conversava com meus pais deitado na cama de meu
quarto, eles na sala de tv. E ouvia os discos de vinil, música sertaneja do Sérgio Reis, rock do Elvis e MPB de muitos brasileiros nos finais de semana na casa de meus avós, tendo em contrapartida que aturar a voz estridente e desafinada de minha pequena irmã caçula querendo imitar os figurões da música. E muito importante é que me lembro claramente da voz de minha professora e de meus colegas em sala de aula, quando aprendi a ler e escrever. A professora tinha uma voz forte e possante, que eu achava estranho para uma mulher, talvez eu fosse machista, não sei, fazia ela parecer maior e mais poderosa do que realmente sua compleição física acusava. Mas interagia maravilhosamente em sala de aula, perguntando bastante, sempre ativo no aprendizado e tinha excelentes notas (até ficar surdo).
Lembro-me inclusive de um colega de feições orientais que reclamou comigo e com a professora, com sua vozinha fininha, que não era japonês coisa nenhuma, era brasileiro legítimo, nascido e criado no Brasil, só o pai e o avô eram japoneses mas ele não. 
A professora, com aquela voz possante, repreendeu-me, mandou que eu parasse de chamá-lo de japonês, e que toda turma se referisse a ele pelo nome, não pela ascendência nipônica. Bom, lamento pular lacunas, mas oque queria dizer nesse fim de parágrafo é que milhares de vozes ainda pululam por minhas reminiscências. São bonitas como a infância saudosa, nostálgica, que se foram e não voltam mais. Pelo menos para mim, é assim que funciona.
Então um dia, tudo se silenciou bruscamente. Mas estas vozes não cederam assim de repente. Elas se projetavam em cada movimento labial, estranhamente. No início eu confundia essas alucinações com vozes reais e achava que minha audição ia e vinha. Mas com o tempo fui percebendo que essas vozes não estavam sincronizadas com a fala das pessoas. Também notei que o sabiá que ouvia insistentemente toda manhã ao acordar, não existia, na verdade, nunca existiu. Procurei bastante por esse sabiá,pelas árvores do hospital até as árvores ao redor de minha rua. E o procurei na casa de meus avós, mas quando me deparei com um sabiá de verdade, percebi que não o ouvia. As pessoas o ouviam e eu não.
Certo dia ouvi um grilo e procurei assustado debaixo da cama, procurei pela casa até que minha mãe desesperada finalmente disse que não ouvia nenhum grilo. Assim me dei conta que tudo não passava de alucinações.
Alucinações auditivas. Pena que não me contaram que eu era surdo porque os ouvintes gostavam dessas confusões minhas, dava esperança para eles. 
Fazia eu parecer menos debilóide, menos doente, menos aleijado, menos o que eu realmente era. Mas vamos aos fatos. Quase imediatamente me arrumaram um aparelho auditivo e depois de uns tempos, meu pai labutou, juntou dinheiro e comprou outro, fiquei com dois. Mandaram-me usá-lo, principalmente na escola e até mandavam a professora que tinha aquela voz -agora despossante, sem som, só a boca mexendo- conferir se eu os usava todas aulas. Tranquilizaram-me dizendo que eu voltaria a ouvir, só não sabiam quando, quem me tranquilizou: a fonoaudióloga A, a fonoaudióloga B, a fonoaudióloga C e os muitos funcionários e representantes comerciais da loja de aparelhos auditivos, inclusive o cara que fazia os moldes de acrílico para enfiar no ouvido. Quem disse que era irreversível minha surdez: o médico otorrino (que me disse terminantemente: "você, por tempo indeterminado, ficará surdo. Sua surdez é profunda e irreversível."), e a psicóloga, essa última vivia me  perguntando: "você sabia que você é surdo? você não escuta esse rádio, escuta? E esse
tambor? E esse pandeiro? E esse tiro de revólver de espoleta?", ela vivia me flanqueando e armando emboscadas bem elaboradas quando brincávamos de faroeste no consultório com revólveres de espoleta, para me mostrar que eu não era capaz de ouvi-la chegando sorrateiramente, mas logo fiquei esperto e a surpreendi várias vezes que ela chegou a duvidar
se eu tinha realmente ficado surdo.
Bom esses dois últimos profissionais eram em menor número e apesar de não ser democracia na época da ditadura, ninguém acreditou na verdade deles, inclusive eu, que era
pequeno e burro demais para contrariar meus pais. Então depois disso aí eu voltei para a escola.
Na escola, tudo mudou. Mudou como se fosse da noite para o dia. Virei um ET mais feio que o de Varginha, um leproso dos tempos dos Gregos, igual aqueles que Jesus curava(inclusive até hoje ainda não entendi porque Jesus tocou a língua do surdo com saliva/cuspe e falou Effatá, precisava falar que o surdo estava juntando cuspe? Fica parecendo que nós somos nojentos na bíblia). Claro que não ouvi mais nenhuma voz me chamando. 
Fiquei completamente isolado em mim mesmo, as únicas pessoas que se relacionavam comigo eram Deus, os professores, as paredes, meus antepassados(igual o Fantasma na caverna da caveira) e minha família. Ninguém mais queria saber de mim, ninguém tinha paciência ou coragem ou sabe-se lá o quê -- já se passaram tantos anos -- de se aproximar de mim ou mesmo me interpelar. E esta solidão era uma tortura, mas também eu tinha meus momentos de rebeldia, de piração, de estourar e brigar com o mundo inteiro.
Me revoltava e gritava na sala que não era doente e pedia o mesmo tratamento destinado ao "japonês" que a professora mandou todo mundo chamar pelo nome e até voltava para casa não querendo mais brincar de "não ouvir", querendo que tudo acabasse logo e voltasse ao normal. 
Não sei nem se a professora fez algo a respeito, pois a essa altura já não sabia o que ela falava, só ficava lá na escola, largado, sentado na carteira escolar olhando em volta esperando o tempo de escola acabar. E na hora do recreio ficava na minha, tentava correr atrás de algum coleguinha que corria de mim não para brincar, mas para desaparecer de meu alcance e de minha vista.
Lia as expressões faciais e corporais e entendia que não era mais aceito ali. E li essas expressões corporais e faciais por 30 anos, sempre soube que não era mais querido nesse mundo dos "ouvintes". Mas por muitos anos me recusei a aceitar isso. Insistipara mim  mesmo que ainda era alguma coisa "humana", não Extraterrestre, não doente de lepra, não repressiva e merecia a companhia dessas pessoas ouvintes. E também fazia umas coisas, eu pensava..........que talvez um dia pudesse mudar os ouvintes e um dia eles teriam de me aceitar e me engolir.
Levei bastante tempo para amadurecer. Mais de duas décadas. Então o que fazia? Logo que aprendi leitura labial, treinei como doido, gravava inúmeros vídeos de apresentadores de TV (misturados com alguma pornografia eventual que eu necessitava para eliminar a pressão da libido adolescente), me trancava no meu quarto, passava horas revendo e anotando tudo que entendera, até ficar com dor de cabeça e ir jogar videogame ou estudar Batman, o cavaleiro das Trevas, de Frank Miller. 
Pedia bastante ajuda a meu pai para esse treinamento, talvez seja por isso que eu entenda ele falando oralmente de qualquer ângulo e isso lhe dá a falsa impressão que eu sempre fui "capaz" de ler os lábios de qualquer pessoa, não necessitando de usar a "linguagem dos gestos "mímicos".
Pena que essa analogia não funcionou para todos que conheci, principalmente os professores. Me ferrei bastante no ensino médio e tive uma penca de professores particulares. Me ferrei mais ainda no relacionamento social, por confiar cegamente na leitura labial, passando por numerosos constrangimentos comunicativos. Não sei precisar tampouco
computar nem mesmo com fórmulas, matrizes e determinantes ou ainda nos limites das diferenciais e das integrais, nem projetar no gráfico o balanço estatístico da extensão do prejuízo cognitivo, emocional, espiritual, cósmico e galáctico que dimensiona a incompreensão que fui acometido por muitos anos em minha vida. Pois nem inclusivas ou
exclusivas essas escolas de minha época eram, eram escolas foda-se-sivas. Na escola normal o surdo não tinha vez, pior que o japonês(o brasileiro da minha sala) e o chinês(do provérbio).
Mas no âmbito social, para me relacionar com terceiros, era uma correria. Eu ia atrás de todos ouvintes, colava neles até me aceitarem, virava imã, chiclete, mala sem alça, super bonder, o que fosse até que as pessoas me aceitassem pelo desgaste e pela fadiga, ficando impossibilitados de me chutar para fora do grupo. Ia na casa dos colegas, conhecidos e "amigos" sem avisar -- e eu ia fazer o quê? Ligar para eles por telefone? -- e em alguns lugares logo fui percebendo ser um incômodo.
Quando as pessoas começavam a me evitar e a fugir de mim, finalmente dei no pé chutando a bola pra frente. Acordei para a realidade. Percebi que eu era uma espécie de transtorno bipolar ambulante, um estorvo para as pessoas que pretendiam se ver livres de minha presença surda. Assim passei a conviver somente com aqueles que não me rejeitavam -- pelo menos os que não declaravam isso explicitamente.
Mas aí um dia conheci a surdarada. Nas associações não fui aceito logo de cara, levou um tempo, mas entre pessoas físicas e jurídicas era o maior prazer me ter entre eles. Então entendi que haviam outros da tribo dos Moicanos, que agora esse era meu "mundinho", o "povo ao qual pertencia", o "grupo certo", a "raça pura", "o endereço certo do gueto", que eu teria que fazer fofoca, que precisaria casar com surdo e ter filhos surdos, essas coisas.
Me entrosei com a surdarada e um dia realmente caí na real, a ficha do orelhão do TDD caiu, o fichário despencou e ao cair da cama, rolei no chão e me dei conta que não precisava mais correr atrás dos ouvintes. Pois os surdos vinham a mim espontaneamente -- inclusive muitas vezes inconvenientemente sem ser convidados aparecem na porta de casa -- e eu vou espontaneamente a eles, como uma troca interativa construtiva. Existe um apreço mútuo, uma socialização que nunca antes experimentei como "meio ouvinte-meio surdo". Então passei a me sentir normal com a surdarada.
Chutei a bola dos ouvintes de volta para eles e toquei minha vida para frente. Parei de chamar os ouvintes para sair, parei de ir na casa deles e meses depois quando começaram a ligar para minha casa achando que eu tinha morrido num acidente, eu apenas pedia aos meus familiares que respondessem : ele foi trabalhar, ele está estudando, ele não está, ele está muito ocupado, ele viajou e só volta na próxima vida. Simplesmente perdi a vontade, sabem? Cansei de fazer o papel do babaca chato.
Abracei a LIBRAS, e descobri que não sentia mais dor de cabeça tendo que forçar a vista a cada aula oralizada. Ninguém me mandava mais usar aparelhos auditivos. Entre os surdos não tive mais lepra nem desci de disco voador, quanto mais tive minhas alucinações delirantes paranóicas.
Graças a Deus porque senão não conseguiria continuar minha vida com toda aquela pressão para ser uma coisa que eu hoje estou profundamente seguro que não sou mais: ouvinte.
Nada contra os ouvintes, bem, mais ou menos. Mas tudo contra a humanidade. Nós, humanos, somos uns pobres coitados, uns pobres diabos. Vemos uma verruga cabeluda enorme no queixo de um cara e começamos a pensar coisas negativas e nojentas sobre o que tem naqueles cabelos que pode sair de lá e nos atacar.
Nos afastamos das pessoas com herpes oral mesmo que seja só uma feridinha de uma espinha ou um corte nos lábios, nem ousamos perguntar. E nem queremos chegar perto dos que têm conjuntivite porque se a pessoa piscar, uma gota contaminada pode pular para seu olho. Não apertamos as mãos dos aidéticos de bom grado sem lavar depois; não encaramos os negros sem medo de um assalto; não sabemos direito o que fazer diante de uma pessoa careca com câncer; fechamos a janela do carro para os pedintes que podem enfiar um caco de vidro no seu pescoço; corremos dos vira-latas que pedem carinho; pior, mandamos recém-nascidos para a lixeira.
Mordemos bebês de poucos meses, atiramos em crianças de 2 anos. Exterminamos os judeus; fuzilamos os xiitas e os sunitas que depois montam emboscadas com carros bomba.
Estupramos crianças e bebês. Queimamos as Hermiones Granger, as Minervas McGonagall, as Madame Mim, as Blair, as Salem, as Joanas D’Arc na fogueira da ignorância e as que sobreviveram, castramos seus clitóris e as subjugamos ao domínio machista com a burka e sem poder rezar a missa como padras nem serem arcebispas ou papas. Por quê, meu Deus?
É porque somos predadores, é nossa natureza animal. Somos carnívoros, na verdade somos onívoros, precisamos comer tudo e comemos até nós mesmos, inclusive tem gente que come pedras da rua e bebe gasolina. Controlamos essa natureza com conhecimento, repressão emocional, tentamos fantasiar que vivemos num mundo seguro e bom, e que temos um Deus acima de nós para nos refugiar e consertar nossos atos para podermos seguir o caminho da retidão esquecendo que uivamos à noite quando vemos outro homem.
               Então não devemos esperar que todos sejam legais uns com os outros nem que não queiram fazer sacanagens uns com os outros, mas precisamos viver em sociedade e para isso é preciso segurar os impulsos maléficos. Independente da religião, ideologia e todo besteirol que desejamos propagar, somos malvados e até gostamos disto. Existe uma espécie de perversão em ser humano e ter um conhecimento amplo de como fazer uma série de coisas com as pessoas, os animais e outras coisas vivas e mortas.
Então vou saindo dessa aura de embromação e chegando aos finalmentes. Bom, o que vim dizer aqui não era sobre exatamente a tortura e a decepção de uma vida surda. É sobre as escolas bilíngues, inclusão e coisas muito mais siderais, digo, sérias.
Caros discussintes, há pessoas que precisam tirar a mão do compartimento da ficha do orelhão, deixar a dita cuja cair de uma vez. Pessoas precisando cair na real.
Entrei pelo cano e vi uns vídeos de umas bravas gentes brasileiras. Percebi que tá na cara que tem gente que não sabe LIBRAS nem quer saber de LIBRAS porque no vídeo vai tentando fazer LIBRAS devagar enquanto tenta lembrar do vocabulário, que não sabe, um vocabulário muito parco e preso na língua portuguesa, que absurdo que existam pessoas que, com esse pouco de conhecimento, possam ensinar LIBRAS ou quanto mais serem intérpretes.
Não fiscalizam o PROLIBRAS contra esses absurdos? Onde está a polícia para isso, o ministério público? Ah, lembrei, não sabem LIBRAS. Tem gente que fala que a LIBRAS não tem sinal porque não sabe usá-la para o conteúdo que pretende sinalizar, vai ver ficam esperando para sinalizar porque tem uma pessoa mais habilitada por trás, fazendo "espelho". São pessoas assim que fazem um BIMODALISMO descarado até finalmente suprimir toda sinalização e falar oralmente impondo sua vontade ulterior de suprimir a liberdade surda, talvez sintam o gosto perverso de achar que os surdos se resignam a essa inapetência.
Tem gente que quer é que a comunidade surda seja domesticada conforme seu jeito de ver o mundo e desprezar a LIBRAS. Gente assim precisa acordar como o Robert De Niro em Tempo de Despertar, mas talvez sejam necessárias umas duas toneladas de levodopa.
Nós não queremos saber de gente assim faz milhões de anos. Não entendo porque essas pessoas não vão cuidar de suas vidas e trabalhar com alguma coisa onde alguém as
queira. Ou fazer um curso de LIBRAS legítimo e aprender de vez a usar essa língua sem misturar o português junto até o Manoel comer toda sinalização.
E digo mais: certo dia um irmão de um surdo veio me encontrar para falar dar depoimento sobre as dificuldades do irmão. Acabou que o cara me passou um monte de folhetos de cursos de prevenção à gravidez, cursos de aprendizagem sobre como desenvolver a mente, sobre como aprender a viver em sociedade e ir ao banheiro, sobre como aprender português, sobre como aprender a costurar as roupas, sobre como aprender a ir no médico e como conversar com as pessoas e um monte de coisas bestas. E me disse que eu tinha de divulgar esses cursos para os surdos de todo país pois os
mesmos(ele generalizou "todos os surdos") viviam errada e burramente. 
Olha só gente, esse cara achava que todos surdos podem ser julgados somente pelo que ele viu de defeitos no irmão dele.
E um outro cara disse há pouco tempo para um político que nós surdos não entendemos as coisas que os ouvintes dizem porque (ficou implícito na insinuação dele) temos problemas mentais -- mesmo tendo um intérprete. Porque esse cara tinha um filho com surdez e mais algum comprometimento cognitivo. Ele achava que todos nós podemos ser julgados em função dos problemas do filho.
São pessoas assim que devem entender que não são ninguém para dizer o que devemos ou não fazer, principalmente se não entendem o bastante da LIBRAS e da comunidade surda.
Não podem nos julgar em função do surdo com quem conviveram e se frustraram. Não somos todos iguais a esse surdo e lembrem que há ainda ouvintes com suas questões cognitivas e dificuldades de desenvolver.
Cada surdo, como qualquer ouvinte, é único e tem sua história de vida, sua subjetividade particular, cometeu seus pecados próprios e tem seus lugares garantidos no inferno, no purgatório ou no céu.
Não pensamos nem somos como uma massa de pão de queijo uniforme. Pensamos e agimos cada qual do nosso jeito, sejamos coxinhas diferentes de diferentes lanchonetes, sejamos pastéis de carne de diferentes bares copo sujo.
Nos identificamos por nossa história de vida com alguns fatos parecidos, mas nos diferenciamos por outros. E na nossa história de vida nem todos nós nos ferramos e na escola regular. Eu sim, e milhares de outros surdos também se ferraram, mas isso porque existiam muitos professores que nos julgavam pelo viés da ignorância.
Somos nós que defendemos a escola bilíngue que irá construir o lado iluminado da força Jedi, nossa identidade, nossa auto estima, que pretendemos disseminar, como no caso
específico e isolado da minha vida, as possibilidades de libertação, alívio e felicidade de se encontrar e se fazer na LIBRAS -- quando sabemos utilizá-la adequadamente e conhecemos seu alcance.
Não há um dia que eu deixe de sonhar como tudo poderia ter sido diferente. Mas não precisa ser a desgraça amaldiçoada do inferno com pessoas assim se metendo onde não foram chamadas e dizendo o que não sabem. Metendo o nariz onde ninguém as quer. Lendo o jornal alheio que eu paguei com o suor do meu sovaco, pelas minhas costas. Estas pessoas
podem até continuar insistindo e teimando, sei que vão, mas dou esse conselho de ouro maciço tirado do Forte Knox dos EUA: vão cuidar de suas vida porque nós surdos usuários e partidários da LIBRAS, partidários e ideologistas da escola bilíngue para surdos queremos dignidade para a surdarada e continuaremos sempre a defender este ponto de vista da escola bilíngue para surdos.
Porque é a escola onde podemos SER, longe e protegidos de gente malcriada que enseja nos moldar de acordo com a filosofia oralista, ouvintista, colonialista e finalmente, ditatorial de que nós sempre devemos ser inferiores, submissos à vontade de pessoas que odeiam os surdos e a língua de sinais. Porque estas pessoas não conseguem viver no meio da "sujeira" das excreções do ouvido, querem HIGIENIZAR os "deficientes" e mandá-los para Azkaban, para o Carandiru, longe do olhar "perfeito" e "limpo" do paraíso cor de rosa que almejam viver.
É tudo uma mera imposição desta visão ideológica sobre a nossa. Nada mais que isso. Um preconceito, um pré-conceito deslavado, que não foi jogado na máquina de lavar roupa.
Por mais que se tente forçar as pessoas a achar o quão inferior e pisável, tal como uma formiga muito pequena que esmagada sai pouco pus, é a língua de sinais, o quão superior e dinossáurica é a língua oral, o quão subjugados devem ser os surdos, nós iremos existir e permanecer para incomodar e cutucar pelas costas quando menos esperarem, interrompendo e avacalhando os planos de assistir ao final da novela.
Nós vamos resistir. Nós vamos continuar.
O poder de nosso intelecto reside nas possibilidades que a evolução das espécies semeou em nosso substrato neural configurando-o para a linguagem.
 A LIBRAS é uma das maiores e mais incríveis criações humanas e não são pessoas quaisquer, com suas revoltas, inaptidão de vocabulário, inveja interestelar de Darth Vader e palavras de desprezo que vai destruí-la como a Estrela da Morte foi explodida. É preciso destruir todos os surdos para isso, o que evidentemente não é possível fazer então sempre haverá frustração e desejo que os surdos se resignem e sejam obrigados a ler os lábios. 
Então é melhor continuar correndo atrás de nós, a correr atrás da LIBRAS, a mendigar na ignorância para onde quer que forem. Um dia terão de aceitar que não são queridos na comunidade surda, por isso não aprendem o vocabulário certo e não conseguem dominar a LIBRAS. Então cuidem de suas vidas, procurem o emprego certo e deixem de profetizar esses absurdos atrapalhados sem o menor fundamento. É preciso ter amor próprio.
Procurem seus iguais, eles devem estar em Marte, Júpiter, Urano, em alguma galáxia muito muito distante, um pouco mais para o centro. Basta juntar uns 5 milhões de dólares e viajar em busca deles, pela VirginGalactic, subsidiária da Virgin Atlantic de Richard  Branson.
Boa viagem!!! Espero que sejam felizes no buraco negro onde são esticados até o infinito e o tempo não anda. Assim permanecerão felizes para sempre.

Autor:    Marcos Antonio de Sousa Junior (Surdo Profundo)- BH-MG
                Especialista em Linguística
                Formado em Psicologia Educacional

  

PROLIBRAS




Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, por meio da Comissão Permanente do Vestibular - COPERVE, declara que estarão abertas, no período de 31/10/2012 a 05/12/2012, as inscrições para a Sexta Edição do Exame Nacional para Certificação de Proficiência no Ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e para Certificação de Proficiência na Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa, denominado SEXTO PROLIBRAS, nos termos do Decreto no 5.626, de 22/12/2005 e da Portaria Normativa MEC no 20, de 07/10/2010.

Inscrições no período de 31/10/2012 até as 23h59min 

do dia 05/12/2012.


sábado, 8 de setembro de 2012

O grito da Gaivota - Emmanuelle Laborit

Emmanuelle Laborit 





  Nasceu surda e veio a conhecer a língua gestual (Langue des Signes Française - LSF, em português Língua Gestual Francesa), quando tinha 7 anos de idade. 
É autora de uma conhecida obra literária: “O Grito da Gaivota”, que escreveu em 1993.             Nessa obra, Emmanuelle faz uma retrospectiva de sua vida, revivendo suas lembranças de infância e suas amargas experiências de uma difícil adolescência, avançando em sua idade adulta. É uma autobiografia. 
Emmanuelle explica que suas recordações da primeira infância são estranhas, pois existia “um caos na minha cabeça, uma sequência de imagens sem relação entre si, como sequências de um filme, montadas umas atrás das outras, com longas tiras negras, grandes espaços vazios” (Laborit).
Este fato resulta da ausência de uma linguagem estruturada que dê sentido ao que se vê e que permita a evocação da imagem, mesmo quando ela não está presente.
  


Se for do interesse de alguém...  tenho o Livro em PDF.
Solicitem-me que enviarei por e-mail.

XI CONGRESSO INTERNACIONAL - XVII SEMINÁRIO NACIONAL DO INES - A EDUCAÇÃO DE SURDOS EM DEBATE



Tema: INES 155 anos: a Educação de Surdos em Debate.

Objetivo 
Refletir sobre os avanços e novas possibilidades na atuação com surdos no mundo globalizado.

Datas do evento:
de 17 a 21 de setembro de 2012.
Othon Palace Hotel - Rio de Janeiro


Programação completa disponível em:

http://congresso.ines.gov.br/ines_congresso/home/?v=programacao

                                                         
                                                     EU VOU!!!!                                                                                           




domingo, 26 de agosto de 2012

Sugestões de Materiais Pedagógicos para alunos surdos I

Materiais confeccionados por discentes dos Cursos de Letras e Pedagogia da FJB.




Relógio em Libras


Corpo Humano Feminino




Corpo Humano Feminino





Jogo da Memória (Frutas)






Jogo da Família






Dominó em Libras (Animais)



                   Jogo da Memória em Libras (Animais)




Dominó em Libras (Frutas)





Mapa do Brasil 





Dado em Libras





Quebra-Cabeça (Educação Infantil)


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Coleção de Livros "Libras em estudo" disponíveis para Download Grátis



LIBRAS EM ESTUDO: TRADUÇÃO/INTERPRETAÇÃO
Autoras/Organizadoras: Neiva de Aquino Albres e Vânia de Aquino Albres Santiago
Ano de Publicação: 2012 
Preço: Distribuição gratuita em Pdf

Download Now


LIBRAS EM ESTUDO: ENSINO-APRENDIZAGEM
Autora/Organizadora: Neiva de Aquino Albres 
Ano de Publicação: 2012 
Preço: Distribuição gratuita 
LIBRAS EM ESTUDO: DESCRIÇÃO E ANÁLISE
Autores/Organizadores: Neiva de Aquino Albres e André Nogueira Xavier
Ano de Publicação: 2012 
Preço: Distribuição gratuita em versão Pdf.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

V Congresso Brasileiro de Educação Especial (V CBEE) / VII Encontro Nacional dos Pesquisadores da Educação Especial (VII ENPEE)












V Congresso Brasileiro de Educação Especial (V CBEE) / VII Encontro Nacional dos Pesquisadores da Educação Especial (VII ENPEE) é uma proposta conjunta da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial – ABPEE, e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial – PPGEES da Universidade Federal de São Carlos- UFSCar, que consideram que o evento é uma ação importante para estimular a produção científica nessa área, divulgar o conhecimento que vem sendo produzido, promover o intercâmbio entre pesquisadores e profissionais, e atender a demanda emergente por novas práticas decorrente da diretriz política educacional de inclusão escolar adotada pelo país.

Maiores informações:


domingo, 8 de julho de 2012

Oficinas Virtuais do Senac EAD


Objetivos
  • Oferecer atividades que proporcionem novos conhecimentos e vivências aos participantes
  • Oportunizar um espaço de troca de experiências sobre o assunto abordado entre os participantes e o tutor especialista no assunto
  • Dar dicas práticas e orientações para a busca no aperfeiçoamento profissional sobre o assunto
Como funcionam
  • O participante terá acesso a um ambiente virtual de aprendizagem
  • O acesso ao ambiente virtual se dará mediante usuário e senha os quais serão fornecidos por e-mail na data de início da oficina
  • Serão disponibilizados neste ambiente virtual: O material didático específico sobre o assunto abordado na oficina, um espaço para troca de conhecimentos entre o grupo por meio de um fórum de discussão e um chat onde o tutor e os colegas vão discutir simultaneamente questões importantes ao tema abordado
Investimento
  • As oficinas serão gratuitas

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Entrevista com Karin Strobel





Karin Strobel, em Jurerê – Florianópolis / SC (2006)

ENTREVISTA: 

1) Você nasceu surda? Conte um pouco como foi sua infância, adolescência e juventude?

        Eu nasci em Curitiba, a adorada terra do pinhão, uma cidade conhecida por sua limpeza e de suas soluções urbanas inovadoras assim como o sistema de ônibus modernos de onde tenho orgulho de ter sido gerada e atualmente moro em outra cidade que conquistou profundamente o meu coração... Fiquei uma autêntica "manézinha da ilha" com saias coloridas e sandálias baixas, a Florianópolis com suas lindas praias e famosa ponte!
        Nasci ouvinte e com quatro dias de vida em hospital eu tive um resfriado muito forte e o médico me deu remédio, o antibiótico - excessivamente forte para um recém-nascido - que em conseqüência disto enfraqueceu os meus nervos auditivos e fiquei surda profunda.
        Tive uma infância feliz com família muito unida, mas também confusa. Porque muitas vezes fui incompreendida pela sociedade, quando adolescente tive aquela fase chamada de ‘crise de identidade’, tratava-se de anos e anos de disputa pelo espaço social em ambientes cheios de estereótipos negativos sobre a cultura surda.
        Isto fazia e ainda faz parte de um processo mais extenso dos diferentes ‘olhares’ das representações sociais ouvintes que consideravam os sujeitos surdos como seres ‘deficientes’ e incapazes.
        O mais importante para mim foi o amor da minha mãe, que me apoiou e motivou em todos os momentos na construção de minha identidade surda e de me tornar uma vencedora na vida.
        A construção de minha identidade surda foi possível a partir de quando a família aceitou a minha surdez na fase de adolescência, e isto me fez conhecer a mim mesma com profundidade, afastando meus medos e acreditar no meu potencial de praticar os maiores desafios na vida cotidiana.
Em uma sociedade que quando se valoriza demais a audição e a fala, automaticamente estamos sendo preconceituosos contra os que não ouvem e não falam.
Cito uma situação que aconteceu comigo, há muitos anos atrás eu queria muito fazer especialização na área de educação dos surdos, a equipe da escola inicialmente disseram que eu não daria conta e aconselharam eu tentar outra profissão, mas felizmente o próprio diretor da instituição me incentivou dizendo para eu tentar, não desistir e lutar pelo o que queria. Graças a estes tipos de sujeitos que acreditam em nós os surdos, hoje sou pedagoga e doutora em educação.
        Por isto, uso minhas próprias experiências da infância não somente como aluna surda, sim como ‘ser surda’ para lutar pelo povo surdo o direito de nos escolhermos a língua e de construção de identidades sem a imposição ‘normalizadora’ da sociedade que impõe aos sujeitos surdos que sejamos ‘normais’, isto é, que falemos e ouçamos para que sejamos aceitos na vida social.
        Mas hoje noto que a sociedade brasileira já esta percebendo das existências de pequenos grupos culturais, tais como os povos indígenas, os povos negros, os povos surdos, os homossexuais e outros, e assim começando a compreender e respeitar as culturas diferentes, grupos com suas culturas não como inferiores e sim em nível de igualdade, mas que ao mesmo tempo são diferentes. Isto acontece porque as comunidades surdas, dentre as outras, lutam pelos seus direitos como cidadão de serem considerados como sujeitos ‘diferentes’ e não como ‘deficientes’, de reconhecimento do potencial de cada sujeito surdo, estabelecendo relações sociais justas e igualitárias!
        O que guardo de bom da infância foi ter aprendido a ter perseverança diante de todas as dificuldades e a superação das limitações impostas pela sociedade que me consideravam um ‘deficiente’.
        Hoje me considero uma adulta guerreira da vida com um corpo surdo mais forte com uma ancoragem positiva de identidade surda e hoje luto por reconhecimento e aceitação da cultura surda!



Karin Strobel, aos 7 anos de idade
2) Você estudou em qual(ais) escola(s)? E Como se deu sua formação em nível superior? 

        Na maior parte de minha infância estudei em uma escola para surdos de Curitiba onde usavam metodologia oralista, que foi implantada recentemente na época, horas e horas de treinamento com as aparelhagens e fones diante de espelhos para imitar as articulações dos lábios.
        Conseqüentemente, aprendi a falar, mas não sabia me comunicar adequadamente, só ficava repetindo as palavras, igual a um papagaio sem entender seus significados, tudo muito mecânico e sem emoções, somente depois de aprendizagem de libras durante a adolescência é que me libertei desse mundo de clonagem dos ouvintes e me expressei autentica ‘eu’ que estava adormecido no interior!
        Paralelamente com a escola para surdos, estudei em outro período do dia em muitas escolas inclusivas e reprovei várias vezes – não por preguiça e sim por dificuldades de adaptação á cultura ouvinte, por exemplo: na minha fase de alfabetização em escola de ouvintes, a professora em sala de aula mostrava figuras de alface, avião e abacaxi e comparava-as com letra "a", eu não entendia o porquê dessas comparações, pois não encontrava a letra "a" nas figuras. Olhava, olhava e ficava confusa, isto porque na cultura ouvinte, nestas escolas, os professores ensinavam a língua portuguesa em associação aos sons, outra situação parecida é, dentro de textos a gente tem de perceber quais as palavras são oxítonas, paroxítonas, etc. Eu, surda, como vou perceber qual sílaba é mais forte se não escuto? E pior ainda, ter que separar as palavras em silabas? Será que separar palavras de duas-letras e duas-letras esta correta? Isto fazia a minha cabeça ficar confusa, porque nestas escolas não ensinavam a língua portuguesa na cultura surda, isto é, o português visual. Também faziam brincadeirinhas do tipo ‘telefone-sem-fio’ e isto me fazia sentir um "peixe fora de água"!
        Durante toda a minha vida escolar com exceção de mestrado e doutorado eu não tive intérprete em sala de aula e na universidade, ao cursar o curso de pedagogia, também enfrentei dificuldades; os professores não tinham conhecimentos de como lidar com uma pessoa surda e também não tinha intérprete disponível. Na maioria parte baseei mais nas leituras dos livros para manter-me atualizada.
        Ao ingressar em UFSC durante o mestrado e com upgrade para doutorado, tive oportunidade de encontrar colegas e professores usuários de língua de sinais, de assistir aulas com intérprete de língua de sinais/português e participar juntamente no grupo GES – Grupo Estudos Surdos, onde se desenvolvem pesquisas na área dos Estudos Surdos.
        Conclui o meu doutorado este ano com a tese que aborda algumas reflexões sobre analogia de poderes em relação ao corpo surdo e modos possíveis de abordar em sua subjetividade daqueles que considero ‘personagens’ de minha pesquisa: o ser surdo! Nela há narrativas produzidas pelos sujeitos surdos que foram entrevistados durante a pesquisa no sentido de identificar as descrições sobre visões históricas diferenciadas que permita construir a historia de surdos no espaço colonial ou como sujeitos surdos na diferença lingüística cultural.

Karin Strobel, na formatura do Curso de Pedagogia (2000)
3) Desde quando fala com língua brasileira de sinais (Libras)? 

        O meu primeiro contato com a língua de sinais aconteceu na adolescência, com quinze anos, na época em que estava revoltada e triste sem saber qual era o meu espaço no mundo, porque a escola para surdos proibia o uso de língua de sinais e nas escolas regulares eu conversava igual como papagaio e os colegas ouvintes me achavam chata e me deixavam isolada. Então a minha mãe ficou preocupada com a minha revolta e tristeza e após investigar das existências das comunidades surdas ela me levou à associação dos surdos de Curitiba onde tive o primeiro contato com a língua de sinais e isto me fez abrir as muitas portas para o mundo e permitiu eu construir a minha identidade, não só como surda e sim como a ‘Karin’!

Karin Strobel, menina sentada, com calça vermelha, em escola de surdos (1968)


4) Você tem filho(s)? Surdo(s) ou ouvinte(s)? Como você se comunica com ele(s)? E com seus familiares, amigos e público em geral? 

        Sou mãe de um pequeno surdo de 3 anos, o Richard é lindo e meigo. Eu e ele comunicamos através de nossa prioritária língua: Libras.
        Com minha família e públicos em geral, sou bilíngue, uso libras e oralização e ou escrita... e se as pessoas tiver dificuldade de me entender, eu escrevo para me comunicar, assim como a maioria dos sujeitos surdos.

Karin Strobel, com seu filho Richard aos 3 anos (2008)
5) O que a Libras significa para você? 

        Libras, Língua Brasileira de Sinais... É uma benção de Deus em existir uma língua visual, com expressão corporal, esta língua me abriu as portas para o mundo surdo e também de ouvintes, pois com a iniciação do uso dessa língua me fez viver uma vida sadia e feliz.  
        Dou opinião semelhante de uma surda de Pernambuco, a Lindilene, que mandou um e-mail ao grupo de surdos, recentemente explicando sobre a Libras: “essa língua existe, e agora que existe podemos lutar por ela querendo entrar na cultura dos surdos... nós o povo surdo não sabemos de onde foi feita a língua  portuguesa, a língua espanhola, a língua americana e outras... mas nós surdos sabemos de onde foi feita a nossa língua de sinais, e que por ela nós surdos sofremos muito para conseguir essa língua reconhecida. Esta é uma historia de muitas lutas do povo surdo e mesmo assim nos surdos damos os poderes da nossa língua aos ouvintes para serem interpretes de libras!” 
Acredito que a Libras também é uma porta para a interculturalidade entre os surdos e os ouvintes, pois os sujeitos surdos necessitam de intérpretes, família, amigos e professores que os entendam.
        A formação de professores de Libras ficou mais valorizada no Brasil, principalmente graças à metodologia transmitida pela FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, em parceria com MEC: o “Libras em Contexto”, que aboliu a metodologia tradicional do ensino de língua de sinais e hoje estamos expandindo com o curso de LETRAS/LIBRAS em muitas universidades brasileiras.
Com a abertura de curso de Letras/Libras em UFSC foi uma grande vitória para as comunidades surdas. A nossa expectativa de uma educação melhor para os surdos, atualmente na tenra infância, aumenta diante de tal resultado. Constatar o interesse de sujeitos surdos e de sujeitos ouvintes neste caminho renova nossa esperança em uma sociedade mais justa e igualitária, onde os sujeitos surdos terão a oportunidade de aprenderem e ensinarem em sua própria língua e os sujeitos ouvintes de interpretarem com a qualidade ótima a língua de sinais.

Karin Strobel, pesquisando história de surdos no INES - RJ (2008)
6) Conte um pouco sobre o trabalho que você vem desenvolvendo na Feneis – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. Quais são seus projetos à frente desta Federação? 

        Sempre trabalhei como voluntária ao lado de associações de surdos, como secretária, conselheiro, diretora social e enfim, também fui presidente. Participei de diversos movimentos em prol da pessoa surda e conheci bem a realidade dos surdos através da minha experiência como membro das comunidades surdas e como professora de ensino ao surdo nas escolas.
        Contato com a Feneis se iniciou em 1994, quando o ex-presidente Antonio Campos me convidou para fazer parte da chapa dele como diretora vice-presidente dos Profissionais da Área e depois como fundadora e diretora regional do escritório Feneis-PR.
        Com isso, fui percebendo a dificuldade de comunicação e a questão social do surdo em diversas esferas da sociedade e, cada vez mais, me envolvendo com a luta dos surdos. Como profissional tive um olhar diferenciado a respeito de algumas questões relacionadas às necessidades dos surdos.
        Uma delas é na área de formação. É necessário mais cursos e treinamentos para instrutores surdos, intérpretes e professores.
        Precisamos crescer na questão da especialização de diversas áreas no mercado de trabalho, fazendo com que os sujeitos surdos façam diversos cursos de aperfeiçoamento.
        Pelo que tenho observado até agora pelas políticas publicas brasileira na área da educação dos surdos,percebo que os caminhos nesta área está bem encaminhada. Tenho mais preocupações com o que envolve outras áreas como a surdocegueira por exemplo. Gostaria de incentivar mais este segmento, fazendo com que sua luta seja menos isolada. Da mesma forma que fizemos com a Libras, proponho também um curso de instrutores multiplicadores para guias-instrutores e intérpretes envolvidos com a comunidade surdo-cega. Também quero dar uma atenção às questões que envolvem saúde. Defendemos a Língua de Sinais, mas precisamos respeitar também os que fazem a opção pelo oralismo e pelos implantes. Precisamos de propostas em todas as áreas.
        Na verdade, queremos criar várias coordenadorias compostas de coordenadores de cada área, voluntários para trabalhos com as comunidades surdas. A Diretoria atual da Feneis é composta por apenas seis pessoas, ficando difícil dividir o trabalho porque o Brasil é muito grande. A idéia é que consideremos também outras áreas como, por exemplo, a de família, dos Surdocegos, das artes, dos índios surdos, saúde e outros etc. 
        Percebo que as pessoas estão com expectativas de que a nova diretoria possa ajudá-las. Vejo que é muita responsabilidade. A minha vida, antes privada, agora mais do que nunca é pública. Preciso pensar nos surdos em primeiro lugar. Fico muito emocionada quando penso nesta confiança depositada na minha presidência

Karin Strobel com Paulo André de Bulhões, Shirley Vilhalva e Paulo Vieira,  em abril/ 2008, durante solenidade de posse como diretoria da Feneis para período de 2008 a 2012



Karin Strobel, eleita Presidente da Feneis,
com demais membros da diretoria
(1º Vice-diretor - Paulo Bulhões / 2º Vice-diretor - José Arnor /
Diretor de Políticas Educacionais - Paulo Vieira /
Diretora Administrativa - Shirley Vilhalva /
 Diretor de Finanças e Planejamento - Josélio Coelho)
7) O que você faz para se divertir ou se distrair?

        Gosto de passear em shopping Beira-Mar (de Florianópolis) com meu filho Richard e também brincar e caminhar na natureza.  Adoro deitar na rede e ler um bom livro, ou assistir um bom filme em DVD para relaxar. São estes momentos que não abro a mão para não ficar estressada com o dia-o-dia corrido e procuro fazer isto todos os dias!

Karin Strobel, lendo na rede,
nos momentos em que gosta de relaxar (2007)


8) Quais são seus planos para o futuro? 


        Fazer mais elaborações dos projetos com a participação direta dos sujeitos surdos na área de educação, cultural, mercado de trabalho, saúde e outros.
        Por exemplo, com a extensão do curso Letras-Libras abrangemos a necessidade da criação do curso de ‘Pedagogia Surda’, que é diferente de curso de pedagogia existente atualmente nas universidades, pois envolve o jeito do surdo ensinar.
        Acreditamos que a criança surda aprende melhor com o professor surdo, aproveitando que no momento vemos que a política da transformação abre os espaços dentro da pedagogia cultural e vamos lutar por isso.
        Pedagogia surda seria por exemplo: o professor entra em sala de aula e tenta aplicar o conteúdo proposto, mas ele se depara com as diferenças de identidades culturais de cada aluno e então para colocar em prática o seu ensino, o professor passa por um processo de transformação, elaborando estratégias e respeitando os vários artefatos culturais dos próprios alunos.
        Os povos surdos através dos movimentos sociais vêm contribuindo para que haja um novo olhar no processo histórico, com conquistas como a inserção do currículo surdo, a valorização da Língua de Sinais e pedagogia surda nos espaços educacionais!
Também pretendo continuar escrevendo outros livros, a idéia de escrever o ultimo livro: “As imagens do outro sobre a cultura surda” se iniciou pelo fato de eu trabalhar por 20 anos como professora de surdos, sendo militante das comunidades surdas, palestrando em muitos lugares e dando aulas em pós-graduação em muitas faculdades, eu percebi que muitas vezes os professores das escolas inclusivas, os professores ouvintes bilíngües (Português/Libras), os intérpretes de língua de sinais, as famílias ouvintes e os amigos ouvintes não compreendiam muito bem o que é cultura surda, então aproveitei das minhas experiências com as vivencias nas comunidades surdas e de como "ser surda" juntando vários depoimentos de muitos sujeitos surdos e escrevi sobre a cultura surda.
        A cultura surda vem sendo um enigma para os sujeitos ouvintes da sociedade. É uma preocupação em que muitos sujeitos ouvintes tentam entender os muitos caminhos que conduziram os povos surdos às suas relações culturais presentes, marcados por diferentes ‘olhares’ das organizações de suas comunidades surdas.
A cultura surda se refere a comportamentos, valores, regras e crenças, que permeiam e "preenchem" nas comunidades surdas. Dentre os artefatos principais da cultura surda estão as experiências visuais e as lingüísticas que são essenciais para o povo surdo. A cultura surda também pode incluir a historia dos surdos, as piadas em língua de sinais e expressões faciais/corporais, a literatura surda, a arte surda, a pedagogia surda e outros
Vou citar alguns exemplos das situações dos sujeitos surdos que diferencia a dos sujeitos ouvintes: como chamar a atenção de um sujeito surdo? Em vez de gritar chamando pelo nome do sujeito, usamos um leve toque no braço ou no ombro dele ou acenar com as mãos se sujeito surdo estiver um pouco distante, ou pedir para o outro sujeito chamar a atenção dele.
        Espero que com a leitura desse livro, os sujeitos ouvintes reconheçam a diferença cultural do povo surdo, e, além disso, de perceberem a cultura surda através do reconhecimento de suas diferentes identidades, suas histórias, suas subjetividades, suas línguas, valorização de suas formas de viver e de se relacionar.
        E os meus planos para futuro é escrever mais livros, livros para auxiliar as comunidades ouvintes a entenderem o povo surdo e também incentivar aos outros sujeitos surdos a deixarem registros as suas experiências na forma escrita ou narradas em libras pelos dvds!

Karin Strobel, com Ronice Quadros, no dia do lançamento de seu livro
“As imagens do outro sobre a cultura surda” (julho de 2008)

9) Você é uma pessoa feliz? Por quê? 

        O que é felicidade na realidade? Se for estar bem consigo mesma e em paz, então posso dizer que sou feliz! Tenho meus altos e baixos igual como todas as pessoas, mas enfrento numa boa porque acredito em mim!
        Então posso dizer que sou uma pessoa realizada e feliz.

Karin Strobel, com a família reunida porém, nesta época,
seu filho Richard ainda não estava com ela (Natal de 2005)

10) Mais alguma coisa que você gostaria de dizer?

        Todos nós, o povo surdo brasileiro, queremos as mesmas coisas: as políticas públicas para a educação de surdos voltadas para a garantia de acesso do aluno surdo dentro das escolas que faça com que eles ‘aprendam’ de verdade e não sendo "robôs", as lutas pelas escolas de surdos, também pela boa formação dos professores surdos, dos intérpretes e dos professores ouvintes bilíngües, pelas acessibilidades na sociedade, respeito e valorização pela cultura surda e de suas diferentes identidades.             
        Deixo mensagem ao povo surdo:
        Surdos, sejam persistentes e nunca desistam dos seus sonhos, arregacem as mangas e vão à luta com toda a coragem... Não deixem as pessoas dizerem a vocês: “vai ser difícil vocês conseguirem” ou “vocês não podem fazer...”, se é algo que vocês querem, acreditem em si mesmos e vão à frente! Lembrem-se: “Não há vitória sem luta e não há luta sem coragem"

Karin Strobel ministrando aula da disciplina História, através de video-conferência,
no Curso de Graduação em Letras/Libras da UFSC (setembro de 2008)